Quando escrevo poesia proponho-me a converter a magia das palavras em versos aglutinados e vertiginosos. No momento em que escrevo, impera uma descontração que quase se confude com a irracional razão de pensar o que escrever. Mas pergunto-me, será mesmo que estou descontraída, ao ponto de pensar, no acto da criação? Pergunta díficil esta que não ouso responder, preferindo deixá-la no espaço retórico da minha mente. Apenas sei que naquele momento em que me proponho cantar por estrofes o que cá dentro vai em tumulto, sou livre. Sou tão livre, que vejo no sublime encanto da pura inquietude um mar extenso, envolto na onda perdida daquele manto feito poema. Sou tão livre que me perco na irrealidade desta janela e finto a imensidão horizontal do mar que se transfigura na contenda da escrita. Por momentos, a rocha eclode e as rimas suportam o peso de falarem por gritos um silêncio vago. Eis que surge o verso, a estrofe, o poema. Em menos de um minuto consigo oscilar entre o choro e a alegria, entre o amor e a dor, entre a realidade e o imaginário. E vêm-me à memória as palavras de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a pensar que é dor/ A dor que deveras sente.”
Mas, Serei eu fingimento arremessado/ Nas entrelinhas descritas/ Por tão ilustre poeta finado?/ Serei eu mentira nas palavras escritas/ Com o fulgor expirado/ Em tantas premissas aflitas?/ Serei eu nexo descordenado/ De privações malditas/ Por meu coração libertado?/ Serei eu vontade que gritas/ No percurso exasperado/ Destas chamas circunscritas?
Não sei! Umas vezes talvez sim, outras talvez não. No dia do lançamento do livro “O dia antes da eternidade”, Joana Aguiar, a autora do mesmo, disse algo do género: “Não escrevo tudo o que sinto, mas sinto tudo o que escrevo.” Acho que esta frase encerra em si muito da relação poeta-poema. Muitas vezes, esta relação é dominada por um estado de permanente contradição, onde a incerteza reage em cada verso desenhado e não sabemos se escrevemos o que sentimos ou simplesmente sentimos o que escrevemos. Já Luís de Camões dizia: "Tanto de meu estado me acho incerto,/ Que em vivo ardor tremendo estou de frio;/ Sem causa, juntamente choro e rio;/ O mundo todo abarco e nada aperto."
Pois é amigos, a poesia desenha-se na afirmação impensável de ser uma contradição por contrariar! Desenhou-a assim Camões e defendo-a assim: contraditória e faminta de explicações intangíveis, delirante em cada verso por decifrar, libertadora de sensações e crenças inimagináveis. Simplesmente, poesia...